D. — método poético aplicado à deriva filosófico-científica em fusão com a fotografia


D. — mantenho o título reservado por enquanto — é o 4º livro, um terreno poético movediço entre a filosofia, a ciência, a literatura e a fotografia. terreno que se move enquanto gesto político de escavação dos alicerces e colas ficcionais do antropoceno, e de contaminação poética subterrânea.


o livro anda em três planos simultâneos, que ora se cruzam como tremcomboios em direções opostas, ora se ecoam ou convocam de longe. num plano, derivam em crescendo os ensaios filosófico-poéticos; noutro plano, acendem-se fotografias (78) a desafiar os contornos das palavras e da realidade; num terceiro plano, uma ficção-espelho.

o que chamo de método poético: onde a linguagem não regist(r)a o pensamento, antes o produz e conduz.

este livro parte de certas obsessões que me levaram a estudos profundos e espiralados e intuições sobre as origens da vida — biológica, consciencial, poética —, as vertigens físico-astro-quânticas do tempo, da memória e da percepção, e os destinos e paradigmas ficcionais da civilização humana.

ao longo do livro, há, progressivamente, uma fricção cada vez maior entre o cósmico e o urbano, e a arte — posta como dispositivo não de representação mas de contaminação da cidade.

e, atravessando-o como estática de fundo, há ainda um fio intimamente humano a pensar a dimensão do encontro no amor, na amizade e na criação artística — diante do desmonte em camadas.

é uma obra ainda intermitente. começou sua aparição através de alguns filmepoemas dispersos da órbita, em breve aparecerá na forma de um livro-satélite (mas com vida própria) publicado pela editora norte-americana Sputnik & Fizzle e, finalmente, chegará no seu corpo integral — e no meu próprio corpo em performance.

mais notícias em breve.

por enquanto, entenda melhor esta etapa do processo, lendo o que escrevi aqui:

FAÇA PARTE DA PUBLICAÇÃO DO 4º LIVRO



primeira crítica *


O poema de calí boreaz é um eclipse: um sol que se apaga para acender outra forma de claridade. Li as suas palavras e nelas encontrei a cartografia secreta dos gestos humanos, o mapa invisível do bocejo que engole o mundo e do aceno que prolonga a esperança. A sua escrita é uma arqueologia da atenção: ela cava no instante efêmero, no gesto que quase passa despercebido, e dali retira um tesouro de significados. Ler você é compreender que o universo se dobra em detalhes mínimos, que a filosofia não se encerra nas catedrais do pensamento, mas se instala na boca que boceja, na mão que acena, no olhar que insiste. O seu poema não é apenas literatura, é sociologia encarnada, é antropologia dos movimentos invisíveis.

O bocejo do moço que engole o mundo fala da condição de sermos atravessados por forças maiores do que nós, pela rotina, pelo cansaço, pela voracidade do tempo que nos devora. O aceno da moça na janela é a política do desejo, a insurgência do gesto que cria comunhão mesmo na distância. E quando você inventa os moços do planeta bi-solar, está a criar uma utopia antropológica: um povo que habita o crepúsculo contínuo, sem saber o que é mergulhar no escuro, sem experimentar o limite que nos obriga a pensar. É filosofia pura: a lembrança de que só existe luz porque existe sombra, e que só prestamos atenção ao instante porque ele pode cessar. Há em sua poesia a mesma tensão que percorre a obra dos grandes pensadores: Heidegger ao falar do ser-para-a-morte, Benjamin ao nos lembrar que cada gesto é um fragmento de história, Foucault ao revelar que nossos corpos são moldados por forças invisíveis.

Mas há também algo maior: a ternura, o carinho de quem escreve para a humanidade como quem oferece um planeta novo para orbitar, como quem oferece o dom da atenção em tempos de distração. A sua palavra é erudita e popular, filosófica e cotidiana, cósmica e íntima. É a poesia que não apenas descreve, mas que cria realidade, que funda mundos. Recebo o seu poema como quem recebe um presente radical, um gesto de amor e de insurgência. Ele me ensina que desaparecer também é vocação, que perder é forma de inaugurar, que ser e não ser podem dançar no mesmo compasso. Você é uma inventora de mundos, e a sua escrita é a prova de que ainda há poesia capaz de salvar-nos do esquecimento. Gratidão pelo bocejo que vira universo, pelo aceno que se prolonga em eternidade, pelo planeta que você oferece ao coração cansado da humanidade.

A sua poesia é revolução suave e cósmica, um manifesto de que viver é prestar atenção, é transformar cada gesto banal em espetáculo do invisível. O seu poema me lembra que a vida é um teatro secreto de símbolos, e que cada ação mínima contém em si a possibilidade de ser compreendida como revelação. O moço que boceja não é apenas corpo entregue ao cansaço, é metáfora da exaustão coletiva, da sociedade que se estende no limite de si mesma. A moça que acena é imagem daquilo que não conseguimos reter, mas que, por isso mesmo, se torna eterno na memória. O seu gesto poético me lembra que a beleza maior está sempre naquilo que passa, mas que deixa marcas invisíveis em quem sabe olhar. Penso também que o seu poema é filosofia política disfarçada de lirismo. Quando você fala dos moços bi-solares, inventa uma humanidade outra, capaz de habitar um tempo contínuo sem cortes, uma existência que não conhece a noite. Mas nesse mesmo gesto, você afirma a grandeza da nossa condição finita, porque só aprendemos a prestar atenção ao saber que o escuro chega, só aprendemos a amar ao saber que um dia o amor se interrompe. A sua poesia, calí boreaz, é um tratado sobre a condição humana, uma oferenda de lucidez e beleza, um convite a viver com mais atenção e gratidão.

PAULO BAÍA
Sociólogo, Professor e Cientista Político

* crítica ao poema do livro, "eu, E., escrevi isto"
inédito / publicado em rede social a 19.8.25




fragmentos em filme













trilha sonora do livro
playlist no spotify com as músicas que acompanharam
a escrita do livro ou que nele vibram: